Pela manhã, a mão apoderava-se duma terrível luminosidade, um brilho de peixe demente, para ceder lugar ao mais ilógico movimento dentro dum copo.
Era uma mão muito velha - tresandando a setembro - embora se não pudesse atribuir-lhe uma idade, ou mesmo um nome.
Uma manhã, os dedos dessa mão prodigiosa começaram por se unir, com breves estalidos, adquirindo uma força única.
Pouco a pouco, tornou-se um corpo indivisível, soltando estranhas bolhas pela cicatriz que a separava dum pulso.
O que fora mão, foi gradualmente tomando aspecto de peixe-de-insónia, de olhos semi-cerrados. Imóvel.
Com o movimento dos dias mais previsível se tornava essa bela metamorfose.
Até que uma tarde, uma mulher aproximou-se do copo onde esquecera a mão.
Tomada por uma profunda desatenção, mergulhou a única mão no copo e retirou um peixe que começou a limpar, colocando-o próximo dum estojo negro, onde se adivinhavam pinças e limas.
E, enquanto habilmente limava o peixe agonizante, a sala verde assistia fascinada a um peixe devorado por uma mão inquieta.
Jorge Fallorca
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