27.7.07

250 poemas de outros tantos poetas - séc. XIX - XXI

27.7.07
chegou ao fim esta encantação silenciosa

a todos os que por aqui passaram, comentaram, sugeriram ou "simplesmente" leram em silêncio o meu muito obrigado!

M. Tiago Paixão

27 de Julho de 2007

26.7.07

Principiamos...

26.7.07
Principiamos onde o outro acaba
pois um ao outro
oferecemos mais
que a verdade consentida a cada um,
a vida inteira descobrindo
nossa
no mistério paralelo revelado.

Helder Macedo

25.7.07

Elementário

25.7.07
O verdadeiro sentido das palavras
é que o poema consiste
em falar do que não pode ser dito a quem
se quer dizer

ou o verdadeiro sentido das palavras
é que o poema consiste
em não falar do que pode ser dito a quem
se quer dizer

ou o verdadeiro sentido das palavras
é que o poema consiste
em não falar do que não pode ser dito a quem
se quer dizer

ou o verdadeiro sentido das palavras
é que o poema consiste
em falar do que pode ser dito a quem
se não quer dizer

isto, claro, partindo do princípio
de que há um sentido das palavras,
verdadeiro, um poema e um
a quem se queira dizer.

Daniel Jonas

24.7.07

A Cidade esquecida

24.7.07
Ela disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele disse: Sou um rio.

Ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.

Ela disse: Não sou exactamente uma cidade.
Uma cidade é diferente de uma cidade
esquecida.

Ele disse: Sou um rio exacto.

Agora na varanda
cada um na sua varanda
pedindo: Um pouco de ar entre nós.

Ela disse: Escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
Ele disse: Eu corro.

De telefone preso entre o rosto e o ombro
para que ao menos se libertassem as mãos
cada um com as suas mãos libertas.
Ela temeu o adeus, disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele riu.

Filipa Leal

23.7.07

poema para henri cartier-bresson 74 anos depois de Hyeres

23.7.07
há uma porta
ausente do vosso olhar
ausente como o vosso olhar
ou como os vossos olhos fechados
e os meus olhos fechados
que me guiam pela mão
a mesma que segura o corrimão
que me segura ao corrimão
a esta minha mão ausente e por outro lado aberta

há um corrimão inesgotável
aparentemente dois
um comentário despropositado
tão sem sentido como o próprio sentir
desta coisa de metal
que é talvez muito menos metal
do que o metal que cobre tantas vezes os olhos
de um espectador desatento
metálico

há um homem que quer
uma força que acontece
um esforço que se consegue
pelo esforço do fazer
pelo pedalar incessante
sugestão aqui proposta para se fazer o movimento
imitação de vento
mimesis de natureza
tão viva como a própria cor

há um caminho cortado
uma estrada sem fim à vista
com fim na imagem
com uma finalidade sem fim para o seu actor
irregular sim
irregular como sempre henri
como a forma irregular
deste olhar que me dás ou te roubo
e entro

há um momento
onde não sei onde estou
quando não sei onde vou
e acontece-me esta mudança
que decorre da vontade
que decorre da procura
que decorre do silêncio
de sair do nome estar para o verbo ir
perceberás porquê?

há a pedra suja da parede ou do chão
ou das duas coisas
na verdade apenas uma
ou pelo menos na verdade aparente
a única da qual tenho certeza de poder tocar
ou pelo menos olhar
como te tocaria a ti
tu que sentes de braços cruzados
perante esta e todas as imagens

há um degrau
depois outro e sempre outro
e há este caminho diferente
estendo-te a minha mão
para o abismo
a zona escura neste olhar partilhado
captado do teu para o meu
de partida
para...

há um céu que somos
e por isso não estamos ali
somos céu de nós mesmos
tecto invisível e diagonal
somos também imagem e imagem de nós
e é deste ponto apenas que podemos olhar
correcção
e é deste ponto apenas que podemos ver
acontece aqui a passagem de um ciclista

o que vejo?
uma teia inumana
uma escala de cinza sem som
e um insecto-homem
em fuga para a frente
ou para fora
ou para o silêncio
que existe aqui nesta sala
a preto e branco

sobre a imagem?
todas as perguntas pertinentes
ou mesmo as impertinentes
talvez estas sejam as mais úteis
como sempre
serão postas à consideração do leitor
depois deste matar
da melhor maneira possível
o espectador sentado, sentado na fila da frente

Talvez em ti acabem hoje todas as nascentes

M. Tiago Paixão

22.7.07

Introduction To Poetry

22.7.07
I ask them to take a poem
and hold it up to the light
like a color slide

or press an ear against its hive.

I say drop a mouse into a poem
and watch him probe his way out,

or walk inside the poem's room
and feel the walls for a light switch.

I want them to waterski
across the surface of a poem
waving at the author's name on the shore.

But all they want to do
is tie the poem to a chair with rope
and torture a confession out of it.

They begin beating it with a hose
to find out what it really means.

Billy Collins

21.7.07

Caír do pano

21.7.07
As acácias já se incendiaram de vermelho
e o zumbido das cigarras enxameia obsidiante
a manhã de Dezembro. A terra exala,
em haustos longos, o aguaceiro da madrugada.
Ao longe, no extremo distante da caixa

de areia, o monhé das cobras enrola
a esteira e leva o cesto à cabeça,
cumprido o papel exacto que lhe coube
e executou com paciente sageza hindu.
Dura um instante no trémulo contraluz
do lume a que se acolhe, antes da sombra
derradeira. Assim, os comparsas convocados
para esta comédia a abandonam, verso
a verso, consignando-a ao olvido
e à erva daninha que, persistente, a cobrirá

irremediavelmente. O encenador faz
a vénia da praxe e, porque aplausos
lhe não são devidos, esgueira-se pelo
anonimato da esquerda alta. É Dezembro
a encurtar o tempo, o pouco que nos sobra.

Rui Knopfli
 
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