23.7.07

poema para henri cartier-bresson 74 anos depois de Hyeres

23.7.07
há uma porta
ausente do vosso olhar
ausente como o vosso olhar
ou como os vossos olhos fechados
e os meus olhos fechados
que me guiam pela mão
a mesma que segura o corrimão
que me segura ao corrimão
a esta minha mão ausente e por outro lado aberta

há um corrimão inesgotável
aparentemente dois
um comentário despropositado
tão sem sentido como o próprio sentir
desta coisa de metal
que é talvez muito menos metal
do que o metal que cobre tantas vezes os olhos
de um espectador desatento
metálico

há um homem que quer
uma força que acontece
um esforço que se consegue
pelo esforço do fazer
pelo pedalar incessante
sugestão aqui proposta para se fazer o movimento
imitação de vento
mimesis de natureza
tão viva como a própria cor

há um caminho cortado
uma estrada sem fim à vista
com fim na imagem
com uma finalidade sem fim para o seu actor
irregular sim
irregular como sempre henri
como a forma irregular
deste olhar que me dás ou te roubo
e entro

há um momento
onde não sei onde estou
quando não sei onde vou
e acontece-me esta mudança
que decorre da vontade
que decorre da procura
que decorre do silêncio
de sair do nome estar para o verbo ir
perceberás porquê?

há a pedra suja da parede ou do chão
ou das duas coisas
na verdade apenas uma
ou pelo menos na verdade aparente
a única da qual tenho certeza de poder tocar
ou pelo menos olhar
como te tocaria a ti
tu que sentes de braços cruzados
perante esta e todas as imagens

há um degrau
depois outro e sempre outro
e há este caminho diferente
estendo-te a minha mão
para o abismo
a zona escura neste olhar partilhado
captado do teu para o meu
de partida
para...

há um céu que somos
e por isso não estamos ali
somos céu de nós mesmos
tecto invisível e diagonal
somos também imagem e imagem de nós
e é deste ponto apenas que podemos olhar
correcção
e é deste ponto apenas que podemos ver
acontece aqui a passagem de um ciclista

o que vejo?
uma teia inumana
uma escala de cinza sem som
e um insecto-homem
em fuga para a frente
ou para fora
ou para o silêncio
que existe aqui nesta sala
a preto e branco

sobre a imagem?
todas as perguntas pertinentes
ou mesmo as impertinentes
talvez estas sejam as mais úteis
como sempre
serão postas à consideração do leitor
depois deste matar
da melhor maneira possível
o espectador sentado, sentado na fila da frente

Talvez em ti acabem hoje todas as nascentes

M. Tiago Paixão

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